O sangue é um tecido conjuntivo líquido que desempenha funções essenciais à vida. Ele é responsável pelo transporte de oxigênio, dióxido de carbono, nutrientes, metabólitos, hormônios e calor, além de participar ativamente do equilíbrio osmótico e ácido-base do organismo.
O sangue é constituído por uma parte celular, chamada de elementos figurados, e por uma parte líquida denominada plasma, onde estão dissolvidas diversas substâncias, como íons, proteínas e metabólitos.
Hematócrito e plasma
A proporção de células no sangue em relação ao volume total é conhecida como hematócrito. Ele é determinado laboratorialmente utilizando-se um capilar de vidro, que é centrifugado: as hemácias sedimentam no fundo, o plasma permanece acima e, entre as duas frações, aparece a camada leucocitária (ou “buffy coat”), formada por leucócitos e plaquetas. O valor de 100% menos o hematócrito corresponde ao plasma. O hematócrito tem grande importância clínica, pois fornece informações rápidas sobre condições como anemia (hematócrito diminuído) ou desidratação (hematócrito aumentado). A figura abaixo mostra um tubo capilar de vidro, contendo sangue centrifugado, colocado sobre um cartão com o diagrama para leitura do hematócrito. O tubo deve ser posicionado de forma que o limite do plasma esteja sobre o limite superior do cartão e limite oposto, sobre a linha 0 do cartão (setas laranja e vermelha, respectivamente). A leitura do hematócrito é feita pela correspondência do local da separação (seta branca; que corresponde ao local onde se deposita a camada leucocitária, que não está visível nesta foto). Seguindo a linha, podemos ver que esta amostra corresponde a um hematócrito de 45%; portanto, o plasma pode ser estimado em 55% do volume sanguíneo. A imagem foi produzida no Laboratório de Patologia Clínica do Departamento de Veterinária da UFV.
O plasma, de coloração amarelada, deve sua tonalidade principalmente à bilirrubina, produto da degradação da hemoglobina. Em bovinos e equinos, essa coloração tende a ser mais intensa. É importante diferenciar plasma de soro: o plasma contém fatores de coagulação íntegros, enquanto o soro é o líquido remanescente após a coagulação.
Volume e características físico-químicas
O volume sanguíneo corresponde a cerca de 8 a 10% do peso magro corporal. O pH do sangue arterial gira em torno de 7,4, enquanto no sangue venoso é um pouco menor, cerca de 7,36, devido à maior concentração de dióxido de carbono. Consulte “Equilíbrio ácido-base” para entender como o CO2 influencia o pH.
A cor do sangue é determinada pela hemoglobina: quanto mais oxigenada, mais vermelho vivo; quanto menos oxigenada, mais escuro, com tonalidade levemente azulada.
Hemácias (Eritrócitos)
As hemácias são os elementos figurados mais abundantes do sangue. Em bovinos, por exemplo, há de 5 a 10 milhões de hemácias por microlitro, enquanto os leucócitos variam entre 4 e 12 mil no mesmo volume.
Cada hemácia contém hemoglobina, formada por quatro cadeias globínicas ligadas a grupos heme, cada um com um átomo de ferro capaz de se ligar reversivelmente ao oxigênio. Assim, uma molécula de hemoglobina pode transportar até quatro moléculas de oxigênio.
A eritropoietina, produzida por fibroblastos peritubulares do córtex renal, regula a produção de hemácias na medula óssea. Esse hormônio tem meia-vida curta (menos de um dia).
A forma típica das hemácias é discoide e bicôncava, mais evidente em cães. Essa plasticidade é essencial para atravessar capilares muito estreitos. Já em anfíbios, répteis e aves, as hemácias são nucleadas.
No esfregaço sanguíneo podem ser observadas particularidades:
A vida média das hemácias varia conforme a espécie, de 70–80 dias em felinos até 140–150 dias em equinos. Ao envelhecerem, perdem plasticidade e são fagocitadas por macrófagos no baço, fígado e medula óssea. Nesses processos, o ferro e a globina são reutilizados, enquanto o grupo heme é degradado em biliverdina e, posteriormente, em bilirrubina. Esta é conjugada no fígado, eliminada na bile e convertida em urobilinogênio no intestino. Parte do urobilinogênio retorna ao fígado ou é eliminada na urina; outra parte é convertida em estercobilina, que dá cor às fezes.
Leucócitos
Os leucócitos (glóbulos brancos) são as células de defesa do organismo. Podem ser classificados:
Todos, exceto os linfócitos (originados de células-tronco linfoides em órgãos linfoides), derivam de células-tronco mieloides da medula óssea.
A saída dos leucócitos da corrente sanguínea para os tecidos ocorre por diapedese, processo que envolve quimiotaxia, marginação, passagem entre células endoteliais e movimento ameboide.
Neutrófilos
São os leucócitos mais abundantes em cães, gatos e equinos. Possuem núcleo segmentado e grande capacidade fagocítica. Em esfregaços corados rotineiramente, seus grânulos são pouco evidentes, mas podem conter:
Os neutrófilos também produzem lactoferrina (sequestra ferro, inibindo microrganismos, que necessitam de ferro para seu crescimento) e colagenase. Após a fagocitose, morrem rapidamente; seus restos celulares acumulados constituem o pus.
Nos répteis, aves, anfíbios, coelhos e porquinhos-da-índia, os neutrófilos são chamados de heterófilos, pois seus grânulos coram intensamente.
Monócitos
São as maiores células sanguíneas, correspondendo a cerca de 5% dos leucócitos. O citoplasma tem coloração azul-acinzentada. Ao migrarem para os tecidos, diferenciam-se em macrófagos, com elevada capacidade fagocítica, inclusive de detritos celulares.
Eosinófilos
Têm tamanho semelhante ao neutrófilo, mas apresentam grânulos corados intensamente pela eosina, em tonalidade alaranjada. Estão relacionados à resposta contra parasitas e à resolução de processos alérgicos. O núcleo é segmentado, mas menos que o dos neutrófilos. A quantidade e aspecto dos grânulos variam entre espécies.
Basófilos
São os leucócitos mais raros, menos de 1% do total. Possuem grânulos corados de azul-arroxeado, muitas vezes obscurecendo o núcleo. Liberam histamina, heparina, bradicinina, serotonina e enzimas lisossômicas, participando de processos alérgicos. Expressam receptores para IgE e iniciam reações inflamatórias alérgicas.
Linfócitos
Circulam no sangue em duas formas principais: pequenos (com alta relação núcleo/citoplasma) e grandes.
Nos ruminantes e suínos, os linfócitos predominam sobre os neutrófilos; já em cães, gatos e equinos, ocorre o contrário.
No esfregaço acima: 1 – Hemácias; 2 – Plaquetas; 3 – Neutrófilo; 4 – Eosinófilo; 5 – Basófilo; 6 – Linfócitos; 7 – Monócito.
Plaquetas
As plaquetas derivam da fragmentação de megacariócitos da medula óssea e têm função essencial na hemostasia, promovendo a coagulação em locais de lesão vascular. Em aves e répteis, essas células são nucleadas e, por isso, recebem o nome de trombócitos.
Termos clínicos associados
Proteínas plasmáticas
O plasma sanguíneo contém uma variedade de proteínas com funções essenciais para a homeostase do organismo. As três principais são albumina, globulinas e fibrinogênio.
A albumina é a proteína mais abundante do plasma. Sua principal função é manter a pressão oncótica — ou seja, reter a água dentro dos vasos sanguíneos, evitando que o líquido extravase para os tecidos e cause edema. Além disso, atua como importante proteína de transporte, carregando hormônios, ácidos graxos, bilirrubina e fármacos.
As globulinas incluem um grupo heterogêneo de proteínas. As alfa e beta globulinas estão relacionadas principalmente ao transporte de substâncias (como lipídios e minerais) e à coagulação, enquanto as gamaglobulinas correspondem às imunoglobulinas (anticorpos), produzidas pelos linfócitos B e plasmócitos. Assim, têm papel central na defesa imunológica do organismo.
O fibrinogênio é uma proteína fundamental no processo de coagulação sanguínea. Quando ativado, é convertido em fibrina, formando a rede que estabiliza o coágulo e permite a hemostasia.
Em condições clínicas, alterações nas concentrações dessas proteínas podem indicar diferentes estados: