Introdução

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Histologia

Histologia é o estudo dos tecidos. Esse termo é derivado das palavras gregas ĭstós e lógos. A primeira palavra significa rede, textura, ou seja, faz referência a um aspecto estrutural. A segunda quer dizer razão e, por essa forma, se relaciona a ciência e estudo.

A palavra histologia foi utilizada pela primeira vez por August F. J. K. Mayer, um anatomista e fisiologista alemão, em seu livro Ueber Histologie und eine neue Eintheilung der Gewebe des menschlichen Körpers (Sobre a histologia e uma nova classificação dos tecidos do corpo humano), de 1819. Mas a abordagem histológica dos diversos organismo teve início muito antes disso. A histologia trata de, sem limitar-se a, aspectos morfológicos, assim como a anatomia, ou seja, o principal assunto é a forma. A diferença é que a anatomia tem uma abordagem macroscópica, enquanto a histologia, microscópica. A palavra anatomia significa “cortar em partes” o que já nos indica que, durante o desenvolvimento desse campo, o principal método de estudo era a dissecação associada à observação a olho nu. A evolução da histologia, por sua vez, dependeu da criação e do desenvolvimento de uma ferramenta que pudesse tornar visíveis as minúsculas estruturas que compõem aquilo que se pode ver a olho nu.

Um microscópio que torna visíveis estruturas teciduais e celulares não foi inventado de repente. Houve uma transição gradual do estudo anatômico, passando pelo uso de lentes simples, como lupas, até a combinação de lentes e posicionamento da fonte de luz que compõem o microscópio. É difícil determinar quem foi o inventor do microscópio, mas muito do desenvolvimento desse instrumento se deu entre o final do século XVI e início do XVII, ou seja, bem antes de a palavra histologia ser cunhada. E, claro, a descrição de muitos tecidos também já havia sido documentada.

A palavra tecido e, consequentemente, o estabelecimento da ideia de que os órgãos são compostos de tecidos foram inicialmente introduzidos pelo anatomista e patologista francês Marie-François Xavier Bichat já no fim do século XVIII, antes mesmo do desenvolvimento da Teoria Celular. Sem utilizar microscópios, Bichat usou o conceito de tecido para elaborar explicações para o desenvolvimento de algumas lesões e doenças. Entretanto, seu trabalho só obteve um reconhecimento mais amplo anos depois de sua morte.

Um microscópio de luz simples que utilizamos hoje ainda é muito parecido com os primeiros criados. Existem, claro, equipamentos com diferentes tecnologias para objetivos diferentes e, de tempos em tempos, novas tecnologias são incorporadas. Entretanto, para que as limitações dos nossos olhos sejam transpostas são necessários basicamente uma fonte de luz e um conjunto de lentes. A amostra a ser observada fica posicionada entre a fonte e as lentes, ou seja, a luz precisa atravessar essa amostra e o material que for utilizado como suporte para ela. Por isso, produzimos um corte bem delgado da amostra e a posicionamos entre duas superfícies transparentes, a lâmina e a lamínula de vidro. Para destacar as estruturas do tecido com contraste suficiente para serem diferenciadas e reconhecidas, utilizamos corantes próprios. O conhecimento das afinidades dos corantes auxilia na determinação da natureza dos componentes de cada estrutura visualizada.

O estudo das estruturas microscópicas pela microscopia de luz tem uma característica que precisamos estar sempre atentos: a utilização de cortes delgados da amostra, em torno de 5 μm de espessura, produz imagens bidimensionais de estruturas tridimensionais. É muito importante ter isso em mente o tempo todo. Ao microscópio, estruturas tubulares e estruturas esféricas podem ser visualizadas como um círculo.

Observe a foto abaixo, que mostra uma fina fatia cortada de duas frutas diferentes.

Note que temos uma percepção bidimensional do formato dessas fatias: você sabe que a laranja é esférica e a banana é alongada, mas ambas as frutas produziram uma fatia aproximadamente circular. Em primeiro lugar, você reconhece as frutas da foto por estruturas típicas de cada uma delas: cor da casca e da polpa, disposição de gomos, sementes, tamanho relativo e, claro, porque você provavelmente conhece uma laranja e uma banana, sabe seus formatos e sabe que, a depender da orientação do corte, serão produzidas fatias aproximadamente circulares. Você não ficará em dúvida se a banana é esférica ou se a laranja é alongada.

Da mesma forma, no estudo microscópico dos tecidos, é necessário conhecer suas estruturas tridimensionais, saber descrever suas características para entender bem o que a imagem nos mostra (e o que ela não nos mostra).

Para exemplo prático, considere a micrografia de um epidídimo mostrada a seguir.

O epidídimo é um órgão formado pelo ducto epididimário, que consiste em um longuíssimo tubo muito enovelado. Um único corte histológico vai atravessar esse tubo em diversos locais o que pode dar a impressão de que são vários tubos. Além disso, por causa desse denso enovelamento, o ducto será seccionado em diferentes orientações no mesmo corte, produzindo imagens circulares nas orientações transversais, estruturas mais alongadas onde o corte for mais transversal e outras um pouco mais difíceis de perceber que fazem parte da estrutura tubular se a orientação do corte for muito tangencial. Observe abaixo a mesma imagem em que são destacadas duas projeções diferentes da mesma estrutura tubular. Além do que está marcado, observe também que há projeções difíceis de serem relacionadas a um tubo, mas isso é devido à essa combinação de orientação do corte e como esse tubo se enovela no exato ponto em que o corte foi produzido.

Uma característica do ducto epididimal é seu revestimento formado por um epitélio pseudoestratificado colunar muito alto com estereocílios. Isso significa que há apenas uma camada de células (o fato de que os núcleos estão dispostos em diferentes alturas deixa a impressão de que seriam várias camadas). Repare na figura abaixo como uma porção ainda muito grande da célula depois de seu núcleo até sua porção apical (ou luminal), ou seja, aquela voltada para a luz do tubo, que, no epidídimo, está repleto de espermatozoides.

Com isso, vamos voltar à primeira imagem e prestar atenção ao que apontam as setas azul e amarela.

A seta azul aponta um conteúdo de cor rosada dentro do tubo. Na verdade, esse conteúdo é o citoplasma das células de revestimento e a luz do tubo não aparece aqui porque a orientação do corte não atravessou o tubo em seu centro, mas apenas em sua parede. A seta amarela aponta um corte que passou pelo tubo tão “de raspão” que apenas alguns núcleos das células de revestimento ficaram visíveis. Na figura a seguir, as linhas pontilhadas azul e amarela exemplificam uma orientação de corte que produziria as imagens da figura anterior.

Assim, o conhecimento da estrutura tridimensional é fundamental para o estudo histológico nas preparações de rotina para a microscopia de luz.

Por fim, também é importante conhecer as colorações que permitem a identificação das estruturas ao microscópio. Existem muitos tipos de coloração de rotina ou técnicas especiais que produzem contrastes que permitem essa identificação. A coloração mais comumente empregada é a técnica que utiliza a hematoxilina e a eosina (H&E). A hematoxilina, após oxidada, resulta na hemateína, que se liga ao grupamento fosfato dos ácidos nucleicos por intermédio de um mordente, produzindo uma cor entre azul e violeta. A forma ativa desse corante é básica e, por isso, as substâncias que ela cora são ditas basofílicas. A eosina, por sua vez, tem afinidade por aminoácidos com carga positiva em suas cadeias laterais, corando as proteínas em tons de rosa. Os componentes corados pela eosina são acidófilos. Assim, a coloração H&E produz uma imagem histológica em que os núcleos são corados em azul/roxo/violeta, podendo ser evidenciados detalhes nucleares como eucromatina, heterocromatina e nucléolo; o nucléolo, na realidade, tem considerável afinidade à eosina devido à quantidade de proteínas que se associam a essa estrutura; a matriz extracelular e citoplasma coram-se em rosa/alaranjado; as hemácias têm coloração vermelha pois absorvem muita eosina; os carboidratos da cartilagem também são basofílicos, por isso, coram-se pela hematoxilina; células com alta produção de proteínas, podem ter o citoplasma basofílico pela alta concentração de mRNA e rRNA no retículo endoplasmático rugoso; células musculares são fortemente acidófilas pelo alto conteúdo proteico no citoplasma, notadamente actina e miosina. Esses exemplos demonstram como essa coloração oferece contraste suficiente para o reconhecimento das estruturas teciduais. A maior parte das micrografias apresentadas neste material foram capturadas de lâminas coradas por H&E; caso contrário, a coloração e sua interpretação serão indicadas.

Fisiologia

A palavra fisiologia significa estudo da “natureza” (a partir da palavra grega fýsi), no sentido de funcionamento e, como parte da biologia, refere-se então ao estudo dos mecanismos que compõem os diversos processos biológicos. Assim como para a histologia, campos diferentes podem ser assunto da fisiologia: a célula, o organismo, tecidos e órgãos específicos, animais e vegetais, dentre outros. Embora muitos métodos de estudo tenham sido desenvolvidos (e vêm sendo desenvolvidos) com a tecnologia, em sua origem, como não necessitava de um instrumento como o microscópio, a função dos órgãos e sistemas era foco de estudo pelo menos desde a antiguidade, junto com as observações morfológicas macroscópicas que constituem o campo da anatomia. Naquele momento, os estudos biomédicos eram frequentemente descritos e debatidos por filósofos, que utilizavam a razão, baseando-se nas crenças e métodos disponíveis na época, para elaborar os mecanismos de funcionamento dos seres vivos.

O termo “fisiologia” foi utilizado pela primeira vez pelo médico francês Jean François Fernel no século XVI. Muitos pesquisadores posteriores são frequentemente creditados como “pai da fisiologia”. O fato é que a fisiologia se desenvolveu com o que tinha disponível em cada época, não apenas quanto a métodos, mas também quanto a demandas e ideias filosóficas vigentes. Uma das coisas que mais impulsionou a fisiologia foi o desenvolvimento da patologia, ou seja, o estudo das doenças, das condições que fogem do “normal”. As ciências biomédicas, com o objetivo de elaborar soluções para as doenças, necessitava de uma melhor descrição do que era “normal” para melhor explicar os desvios e, assim, buscar soluções.

Nesse contexto, é muito importante ficar atento ao conceito de “normal”, pois utilizamos frequentemente como sinônimo de “o mais comum”, mas o ponto aqui é o espectro de variações morfológicas e fisiológicas que não comprometam a saúde do organismo.

Histofisiologia Veterinária

Como estratégia didática, o conteúdo das disciplinas histologia veterinária e fisiologia veterinária foram associados, pois entendemos que a associação forma e função facilita a compreensão e pode ser mais facilmente relacionada às demandas que profissionais da medicina veterinária enfrentam. Como vimos, tanto a histologia quanto a fisiologia podem ter diferentes focos, como: histologia geral, fisiologia celular, histologia vegetal, fisiologia animal. Quando falamos em histologia e fisiologia veterinárias, estamos estabelecendo a área de interesse: a morfologia microscópica e os mecanismos fisiológicos relevantes para a medicina veterinária. Isso significa que a importância da histofisiologia veterinária, por meio da capacidade de identificar, reconhecer e explicar forma e função de órgãos e sistemas, está pautada nos seguintes objetivos: identificar alterações que possam afetar a saúde do animal, estabelecer diagnóstico e prognóstico, elaborar estratégias de tratamento e prevenção, determinar objetivos para uma intervenção adequada.

Embora a palavra histofisiologia pode dar a impressão de que a abordagem será dada como o “funcionamento dos tecidos”, o conteúdo será tratado de forma mais ampla e completa, incluindo a interação e integração entre os tecidos, os órgãos, os sistemas e o ambiente externo. Para isso, são considerados pré-requisitos para o conteúdo aqui apresentado: biologia celular (ou citologia), bioquímica, histologia básica (forma e função dos diferentes tipos de tecidos) e anatomia veterinária.

Por último, é imprescindível destacar que a histologia e a fisiologia, assim como qualquer área do conhecimento, passam por constante atualização, que é uma característica da evolução dos métodos de estudo e das formas de interpretação próprias de cada momento da história e, por isso, é responsabilidade de todos nós adotarmos o hábito do aprendizado autodirigido, desenvolvendo autonomia na busca na busca constante de aprimoramento do nosso conhecimento.

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