Equilíbrio ácido-base

O organismo mantém a concentração de íons hidrogênio [H⁺] de forma extremamente precisa, porque praticamente todas as reações físico-químicas que sustentam a vida dependem do pH. Pequenas alterações na acidez ou alcalinidade podem modificar a forma tridimensional de proteínas, alterando diretamente sua função. Como enzimas, receptores e canais iônicos dependem de conformações específicas, variações no pH afetam desde o metabolismo celular até processos fisiológicos complexos como contração muscular, transmissão nervosa e transporte de gases.

O pH é definido como o logaritmo negativo da concentração molar de íons hidrogênio e não possui unidade de medida. Apenas o H⁺ livre, em sua forma ionizada, participa do cálculo. No líquido extracelular (LEC) de mamíferos, o pH fisiológico é de 7,4, equivalente a aproximadamente 40 nEq/L de H⁺. Essa é uma concentração extremamente baixa, e por estar expressa em escala logarítmica, pequenas variações numéricas correspondem a grandes mudanças na concentração real. O sangue é, portanto, levemente alcalino, e desvios podem comprometer a homeostase.

O corpo constantemente recebe e produz ácidos e bases. Eles podem vir da dieta (fontes exógenas) ou ser formados no metabolismo (fontes endógenas), como o dióxido de carbono (CO₂) proveniente da respiração celular, o ácido sulfúrico derivado da degradação de aminoácidos sulfurados e o ácido fosfórico resultante do catabolismo de fosfolipídios. Perdas desreguladas, como vômitos ou diarreias, também afetam o equilíbrio ácido-base. Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,4, caracteriza-se uma acidose; quando sobe acima desse valor, ocorre alcalose.

A reação central desse equilíbrio envolve o CO₂, que, dissolvido na água, forma ácido carbônico (H₂CO₃), o qual se dissocia em H⁺ e bicarbonato (HCO₃⁻). Essa reação é reversível e ocorre espontaneamente, mas sua velocidade é enormemente aumentada pela enzima anidrase carbônica, presente em várias células, como hemácias e epitélio renal. Essa característica permite que CO₂, H₂CO₃, H⁺ e HCO₃⁻ coexistam em equilíbrio dinâmico nos fluidos corporais, compondo o principal sistema tampão do LEC. Em cães com colapso de traqueia, por exemplo, a ventilação ineficaz retém CO₂, deslocando essa reação no sentido de produzir mais H⁺, resultando em acidose respiratória. Já em bezerros com diarreia grave, a perda de bicarbonato nas fezes leva à acidose metabólica, com queda acentuada do pH.

O equilíbrio do pH é garantido por três sistemas interdependentes: os tampões químicos, o sistema respiratório e o sistema renal. Os tampões químicos são a primeira linha de defesa, atuando em segundos. Um tampão é formado por um ácido fraco e sua base conjugada, capazes de neutralizar variações de H⁺. O tampão bicarbonato, apesar de ter pKa de 6,1 (distante do pH fisiológico), é o mais importante no LEC porque seus componentes podem ser regulados ativamente: a ventilação pulmonar modifica a concentração de CO₂ e os rins ajustam a excreção ou reabsorção de H⁺ e HCO₃⁻. Outro sistema tampão é o fosfato, mais relevante no líquido intracelular e no túbulo renal, onde o pH é ligeiramente menor. As proteínas também atuam como tampões devido aos grupos amino e carboxila de seus aminoácidos; a hemoglobina, em especial, apresenta capacidade tampão significativa por meio dos grupos imidazol da histidina. Sua afinidade por H⁺ muda conforme a ligação ao oxigênio: nos pulmões, onde a hemoglobina se oxigena, libera H⁺, favorecendo a conversão deste em CO₂ para eliminação; nos tecidos, a hemoglobina desoxigenada se liga a H⁺, transportando-o até os pulmões. Esse fenômeno tem relevância prática, por exemplo, em cavalos atletas durante o exercício intenso, quando a musculatura consome mais oxigênio e produz mais CO₂, exigindo maior eficiência do transporte e tamponamento sanguíneo.

O sistema respiratório contribui para o controle do pH regulando a quantidade de CO₂ no sangue. Cerca de 80% do CO₂ é transportado como bicarbonato. Nas hemácias, a anidrase carbônica converte CO₂ em H₂CO₃, que se dissocia em H⁺ e HCO₃⁻. Para evitar acúmulo de bicarbonato dentro da célula, ocorre a troca iônica com o cloreto (deslocamento de Hamburger). Nos pulmões, a menor concentração de CO₂ no ar alveolar favorece sua difusão para fora do sangue, invertendo a reação e consumindo H⁺. Alterações na ventilação permitem ajustes rápidos: hiperventilar elimina mais CO₂ e alcaliniza o sangue; hipoventilar retém CO₂ e acidifica. Em gatos com crise asmática, por exemplo, a retenção de CO₂ durante o broncoespasmo pode levar rapidamente a uma acidose respiratória. Já em cães com intoxicação por salicilatos, a estimulação direta do centro respiratório causa hiperventilação e consequente alcalose respiratória.

O sistema renal atua de forma mais lenta, mas efetiva a longo prazo. O néfron, unidade funcional do rim, filtra o plasma, reabsorve substâncias e excreta resíduos. Na regulação do pH, 85% do bicarbonato filtrado é reabsorvido no túbulo proximal, processo que envolve a secreção de H⁺ via trocador Na⁺/H⁺ e a ação da anidrase carbônica. O H⁺ secretado combina-se com HCO₃⁻ filtrado, formando CO₂ e água, que retornam à célula tubular para regenerar HCO₃⁻. Quando a secreção de H⁺ excede o bicarbonato filtrado, o excesso é excretado, tamponado principalmente por fosfato ou convertido em amônio (NH₄⁺) a partir da glutamina. Esse mecanismo não apenas corrige o pH, mas também repõe bicarbonato perdido. Em bovinos com deslocamento de abomaso à direita, por exemplo, a perda de ácido clorídrico no rúmen e a retenção de bicarbonato podem levar a uma alcalose metabólica prolongada, que exige ajuste renal para recuperação do equilíbrio.

A integração desses sistemas garante a homeostase: distúrbios respiratórios (alterações primárias na pCO₂) são compensados pelos rins em dias; distúrbios metabólicos (alterações primárias em HCO₃⁻) são compensados rapidamente pela ventilação. Nenhuma compensação é totalmente eficaz, mas ambas reduzem significativamente as variações do pH, preservando as funções vitais. Essa integração é observada, por exemplo, em cães com insuficiência cardíaca congestiva, que podem desenvolver acidose respiratória devido à congestão pulmonar, mas apresentam resposta renal compensatória ao longo dos dias, atenuando o impacto sobre o pH.

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