Tumores mamários em gatas e cadelas

por Fabrício Luciani Valente, Professor do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa.

Publicado em 31 de outubro de 2025.


Conteúdo

  1. Introdução
  2. Epidemiologia dos tumores mamários de cães e gatos
  3. Histologia e fisiologia normais da glândula mamária
  4. O papel do estroma na fisiopatologia dos tumores de cães e gatos
  5. Sistema TNM de classificação e sua relação com o prognóstico
  6. Graduação histológica e sua relação com o prognóstico
  7. Marcadores imuno-histoquímicos e fisiopatologia
  8. Castração e tumores mamários em cães e gatos
  9. Guia prático para escolha da abordagem terapêutica
  10. Tumores mamários e medicina translacional
  11. Considerações finais
  12. Bibliografia

1. Introdução

Os tumores mamários são as neoplasias mais comuns em cadelas não castradas e uma das principais em gatas adultas, representando um importante desafio clínico e científico dentro da oncologia veterinária. Seu estudo ultrapassa o interesse puramente diagnóstico: envolve compreender as bases histológicas, fisiológicas e moleculares que sustentam o desenvolvimento, a progressão e o comportamento metastático das neoplasias epiteliais da glândula mamária.

Este conteúdo foi elaborado com o objetivo de oferecer uma visão integrada da oncologia mamária veterinária, articulando os aspectos morfológicos, fisiopatológicos, clínicos e translacionais. O enfoque adotado busca proporcionar ao estudante e ao profissional de Medicina Veterinária uma compreensão sólida sobre:

  • a organização histológica e a fisiologia da glândula mamária;
  • os mecanismos de transformação neoplásica e os principais critérios diagnósticos;
  • os parâmetros prognósticos e o raciocínio clínico na escolha da abordagem terapêutica;
  • e, por fim, o valor comparativo e translacional dos tumores mamários em cães e gatos no contexto do conceito One Health.

A integração entre histologia, fisiologia, oncologia comparada e medicina translacional constitui o eixo estruturante deste material, reafirmando o papel do médico veterinário como profissional essencial no avanço da saúde animal e humana


2. Epidemiologia dos tumores mamários de cães e gatos

Os tumores da glândula mamária (TMs) representam uma das neoplasias mais frequentemente diagnosticadas na oncologia de pequenos animais, com destaque para as cadelas, nas quais constituem aproximadamente 50% de todos os tumores em fêmeas. A incidência anual estimada varia entre 182 e 198 casos por 100.000 fêmeas, número consideravelmente superior ao observado em mulheres, o que reforça a relevância dessa afecção na prática clínica veterinária.

Nos felinos, os TMs ocupam o terceiro lugar entre as neoplasias mais comuns em gatas, apresentando, contudo, uma característica epidemiológica marcante: a alta taxa de malignidade. Enquanto em cadelas cerca de metade dos tumores mamários são malignos (embora estudos brasileiros indiquem valores entre 68% e 90%), em gatas essa proporção alcança 80% a 90% dos casos, configurando um comportamento biológico mais agressivo. O aumento da longevidade dos animais de companhia, associado aos avanços nos cuidados veterinários, tem contribuído para a maior detecção e prevalência dessas neoplasias relacionadas à idade.

A idade, portanto, é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de TMs em ambas as espécies. Em cadelas, a faixa etária de maior incidência situa-se entre 9 e 11 anos, com raridade de casos malignos antes dos cinco anos de idade. Estudos demonstram que o risco de desenvolvimento de neoplasia mamária aumenta progressivamente com o envelhecimento, podendo crescer até 1,6 vezes a cada ano de vida. Em gatas, a média de idade ao diagnóstico é semelhante (em torno de 9,8 anos), mas com predomínio quase absoluto de tumores malignos.

A distribuição por sexo é bem marcada. Casos em machos são incomuns e considerados eventos isolados, com risco aproximadamente 62 vezes menor em cães machos quando comparados às fêmeas. A localização anatômica também segue um padrão: em cadelas, as glândulas abdominais caudais (M4) e inguinais (M5) são mais frequentemente afetadas, provavelmente devido ao maior tamanho dessas glândulas em relação às outras.

A predisposição racial ainda é motivo de debate. Alguns estudos apontam maior frequência em raças puras de pequeno porte, como Poodles e Dachshunds, enquanto outros sugerem que cães sem raça definida (SRD) também são amplamente afetados. Diferenças metodológicas entre estudos e fatores populacionais regionais podem explicar essas variações.

Entre os fatores associados, os hormonais e ambientais têm papel de destaque, especialmente nas cadelas, cujo modelo biológico guarda similaridades relevantes com o câncer de mama humano. O fator de risco mais expressivo é a ausência de ovariohisterectomia (OSH). Fêmeas não castradas apresentam um risco até nove vezes maior de desenvolver tumores mamários quando comparadas às castradas. A realização precoce da OSH exerce efeito protetor marcante: se realizada antes do primeiro estro, o risco reduz-se para cerca de 0,5%, aumentando para 8% e 26% quando o procedimento é feito antes do segundo e terceiro ciclos, respectivamente.

O uso de progestágenos sintéticos, empregados como anticoncepcionais, também está associado à indução de hiperplasia mamária e ao desenvolvimento de neoplasias. O sobrepeso e a obesidade destacam-se por aumentarem o risco de ocorrência e agressividade dos TMs. Animais obesos apresentam maior probabilidade de desenvolver tumores de alto grau histológico, com risco cerca de 2,3 vezes maior do que em animais com condição corporal ideal. A dieta, especialmente quando baseada em alimentos caseiros ou mistos, influencia tanto o estado nutricional quanto o risco neoplásico.

Por fim, a prevenção e o diagnóstico precoce têm papel fundamental na melhoria do prognóstico. Tumores menores que 3 cm (classificação T1) estão associados a maior sobrevida e menor risco de metástase, evidenciando a importância da vigilância clínica periódica e da educação dos tutores quanto à detecção de massas mamárias. O conjunto desses fatores – idade, status hormonal, condição corporal e intervenção cirúrgica precoce – define o perfil epidemiológico e influencia diretamente a ocorrência, comportamento biológico e prognóstico dos tumores mamários em cães e gatos.


3. Histologia e fisiologia normais da glândula mamária

A glândula mamária é um órgão altamente dinâmico e especializado, classificado como uma glândula sudorípara modificada com secreção merócrina e apócrina, cuja principal função é a produção e secreção de leite para o aleitamento da prole. Seu desenvolvimento e atividade funcional estão intimamente ligados ao sistema reprodutor e à regulação hormonal, sendo um exemplo notável de interação entre os sistemas endócrino, tegumentar e reprodutivo.

O desenvolvimento completo da glândula mamária (GM) ocorre apenas em fêmeas adultas durante a gestação, quando os estímulos hormonais atingem o máximo de intensidade e coordenação. Em cães e gatos, a GM apresenta arquitetura tubuloalveolar composta, sustentada por um estroma fibrovascular intercalado por tecido adiposo. A unidade funcional básica é o lóbulos alveolar, formado por numerosos alvéolos secretores conectados por uma rede de ductos que convergem para ductos lactíferos principais. Estes se dilatam na porção terminal, formando o seio lactífero, que se abre na papila mamária.

O número de glândulas varia entre as espécies: cadelas geralmente possuem cinco pares (dez mamas), enquanto gatas apresentam quatro pares (oito mamas). Cada mama é dividida em lóbulos, organizados em compartimentos delimitados por tecido conjuntivo.

Em nível microscópico, os ductos e alvéolos são revestidos por duas camadas celulares:

  • uma camada luminal, formada por células epiteliais cúbicas ou colunares responsáveis pela síntese e secreção do leite;
  • e uma camada mioepitelial, composta por células contráteis em forma de fuso, localizadas entre o epitélio e a membrana basal. Essas células mioepiteliais são fundamentais para a ejeção do leite, pois se contraem sob estímulo hormonal.

O estroma mamário é constituído por tecido conjuntivo frouxo e adiposo, cuja proporção e celularidade variam conforme a fase do ciclo reprodutivo. Ele fornece suporte estrutural, vascular e trófico à porção epitelial e participa ativamente na modulação das respostas hormonais locais. A unidade morfofuncional que engloba os ductos terminais e os lóbulos é conhecida como unidade ductolobular terminal (TDLU), estrutura-chave na morfologia e na fisiopatologia mamária.


Regulação Endócrina do Desenvolvimento Mamário

O funcionamento da glândula mamária é governado por uma complexa rede endócrina e parácrina. Durante a puberdade, o estrógeno (E2) secretado pelos ovários estimula o crescimento do sistema ductal, promovendo a proliferação epitelial nas gemas terminais e a ramificação inicial dos ductos. No entanto, o desenvolvimento alveolar só ocorre plenamente com a ação sinérgica da progesterona (P4), que induz a formação de ramificações laterais e alvéolos. A P4 atua sobre células epiteliais que expressam o receptor de progesterona (RP), estimulando-as a liberar fatores de crescimento parácrinos responsáveis pela expansão do tecido glandular.

Em cadelas, o ciclo estral apresenta uma fase lútea (diestro) longa e funcional, independentemente da gestação, o que confere à espécie uma particularidade fisiológica relevante. Durante o diestro, os altos níveis de P4 promovem a diferenciação lobuloalveolar e a atividade secretora, fenômeno semelhante ao observado na prenhez. A prolactina (PRL) desempenha papel duplo: é luteotrófica, mantendo a secreção de progesterona pelo corpo lúteo, e também galactogênica, estimulando a diferenciação de células alveolares em células secretoras de leite durante o final da gestação. A liberação de PRL é mantida durante a lactação pelo reflexo de sucção, que ativa o eixo hipotálamo-hipofisário.

Outro hormônio de importância singular é o hormônio do crescimento (GH), cuja produção local pela própria glândula mamária tem sido amplamente demonstrada em cães e gatos. Sob estímulo da P4, as células epiteliais mamárias sintetizam GH e Wnt4, que atuam de modo autócrino e parácrino, promovendo a expansão das células-tronco e progenitoras mamárias. O GH também age sobre o estroma, estimulando a produção de fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF-I), o qual contribui para a proliferação e diferenciação epitelial.

Ao final da lactação, inicia-se o processo de involução mamária, que se inicia após o desmame e, em cadelas, completa-se geralmente entre 6 e 8 semanas. Essa fase é marcada pela apoptose das células secretoras e pela reorganização do estroma conjuntivo, com aumento da densidade de colágeno e redução do parênquima glandular.


Aspectos Fisiopatológicos e Relação Hormonal com a Carcinogênese

O equilíbrio hormonal é determinante para a manutenção da homeostase mamária. A exposição prolongada a esteroides sexuais, especialmente estrógeno e progesterona, está associada à carcinogênese mamária em cadelas e, em menor grau, em gatas. Essa correlação tem elevado valor translacional, uma vez que o câncer mamário canino compartilha múltiplas características biológicas e moleculares com o câncer de mama humano.

Nas fases iniciais, os tumores mamários são geralmente hormônio-dependentes, expressando receptores de estrógeno (RE) e/ou receptores de progesterona (RP). Contudo, a progressão para formas malignas tende a vir acompanhada da perda desses receptores, o que confere maior autonomia proliferativa às células neoplásicas.

O uso de progestágenos sintéticos, frequentemente empregados como anticoncepcionais, é um fator de risco adicional, uma vez que estimula a produção de GH pela glândula mamária, promovendo hiperplasia de células mioepiteliais e secretoras, que podem evoluir para lesões benignas ou malignas.

Adicionalmente, a predominância da isoforma A do receptor de progesterona (PRA) nas cadelas tem sido associada a carcinomas mais agressivos, o que reforça o potencial da espécie como modelo experimental para investigar os mecanismos de carcinogênese hormonalmente mediada.


4. O papel do estroma na fisiopatologia dos tumores de cães e gatos

A fisiopatologia das neoplasias mamárias em cães e gatos, importantes modelos comparativos para o câncer de mama humano, é fortemente determinada pelas interações dinâmicas entre o epitélio neoplásico e o estroma circundante, compondo o chamado microambiente tumoral (TME). O estroma mamário, originalmente responsável por sustentar e regular a função epitelial normal, adquire um papel ativo na iniciação, promoção e progressão tumoral, deixando de ser um mero suporte estrutural para se tornar um modulador funcional da carcinogênese.

O estroma tumoral é um tecido heterogêneo constituído por fibroblastos, células miofibroblásticas, elementos vasculares, linfáticos, células imunes e matriz extracelular (ECM). Em condições fisiológicas, a ECM fornece suporte mecânico, organiza os lóbulos e ductos e regula a polaridade e diferenciação epitelial. Entretanto, no contexto tumoral, a reprogramação estromal altera profundamente a composição da ECM e a atividade celular local, estabelecendo um ambiente desmoplásico e inflamatório que favorece o crescimento, invasão e metástase das células neoplásicas.

Um dos principais protagonistas desse microambiente é o fibroblasto associado ao câncer (CAF), derivado de fibroblastos residentes ativados, células-tronco mesenquimais ou até de células epiteliais em transição epitélio-mesênquima (EMT). Esses CAFs expressam marcadores como α-actina de músculo liso (α-SMA) e secretam citocinas, fatores de crescimento (HGF, IGF-I, TGF-β) e enzimas remodeladoras da matriz, como metaloproteinases de matriz (MMPs). Em tumores mamários caninos, a abundância de CAFs α-SMA positivos está associada a graus histológicos mais altos, comportamento infiltrativo e pior prognóstico, indicando sua relevância prognóstica e funcional.

A remodelação da ECM induzida pelos CAFs, conhecida como desmoplasia, é caracterizada pela deposição excessiva e reorganização de fibras colágenas e outras proteínas estruturais, como fibronectina, tenascina-C e periostina (POSTN). Essa reorganização não apenas aumenta a rigidez do estroma, facilitando a migração celular, mas também modula sinais bioquímicos que estimulam a proliferação e sobrevivência tumoral. Em cães, a expressão estromal de POSTN correlaciona-se positivamente com a proliferação celular (Ki-67) e com o grau de malignidade, sendo um marcador promissor de agressividade biológica.

Além dos fibroblastos, o componente inflamatório desempenha papel determinante. Macrófagos associados ao tumor (TAMs) são recrutados por quimiocinas liberadas tanto por células tumorais quanto por CAFs e podem assumir um fenótipo M2, de caráter imunossupressor e pró-tumoral. Esse perfil é particularmente acentuado em cadelas obesas, nas quais a hiperlipidemia e a hiperglicemia estimulam o metabolismo glicolítico tumoral e o acúmulo de lactato, o qual atua como sinalizador metabólico para a polarização M2 dos TAMs, favorecendo angiogênese, evasão imune e metástase.

A degradação da ECM, etapa crítica para a invasão e disseminação metastática, é mediada principalmente pelas MMPs, entre as quais a MMP-11 se destaca por estar superexpressa no estroma de CMTs metastáticos, sugerindo seu envolvimento direto na progressão e na capacidade invasiva. Outros componentes estruturais, como COL6A5 e COL12A1, também se encontram aumentados no estroma de tumores caninos, correlacionando-se com mau prognóstico e apresentando paralelos com o câncer de mama humano (HBC).

Dessa forma, o estroma tumoral atua não apenas como cenário, mas como agente ativo na fisiopatologia das neoplasias mamárias, moldando o comportamento biológico da doença e oferecendo potenciais alvos terapêuticos voltados à modulação do microambiente tumoral. A compreensão dessas interações epitélio-estromais em cães e gatos contribui para o avanço de estratégias comparativas e translacionais na oncologia mamária, ampliando a relevância desses modelos para a pesquisa biomédica e veterinária.


5. Sistema TNM de classificação e sua relação com o prognóstico

O Sistema TNM (Tumor, Node, Metatasis), proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adaptado para animais domésticos por Owen (1980), é o padrão internacional para o estadiamento clínico de tumores mamários em cães e gatos. Ele permite avaliar a extensão anatômica da neoplasia, orientando tanto a conduta terapêutica quanto a previsão prognóstica. O estadiamento TNM é aplicado a tumores epiteliais não inflamatórios e deve sempre ser interpretado em conjunto com dados histopatológicos e clínico-hormonais do paciente.

O sistema considera três parâmetros fundamentais: T (tumor primário), N (linfonodos regionais) e M (metástases à distância). Combinados, eles definem o estágio clínico (I a V). A seguir, cada componente é detalhado, com ênfase em sua aplicação prática e implicações prognósticas.


T – Tumor Primário (Tamanho e Extensão Local)

O parâmetro T descreve o diâmetro máximo do tumor primário e sua invasão tecidual local. Em pacientes com múltiplos nódulos, considera-se o maior tumor maligno identificado. O tamanho do tumor é um dos fatores prognósticos mais consistentes, correlacionando-se com a probabilidade de metástase e com o grau histológico.

Classificação (T)Cães (Diâmetro Máximo)Gatos (Diâmetro Máximo)Características Clínicas Associadas
TisCarcinoma in situProliferação epitelial restrita, sem invasão da membrana basal.
T1< 3 cm< 2 cmTumores pequenos, sem ulceração; prognóstico favorável.
T23–5 cm2–3 cmAumenta o risco de invasão local; prognóstico intermediário.
T3> 5 cm> 3 cmAlta correlação com metástase e menor sobrevida.
TxTumor não pode ser avaliado

Observações clínicas importantes: ulceração cutânea, aderência a planos profundos e crescimento rápido são indicativos de comportamento biológico mais agressivo, mesmo em tumores de pequeno diâmetro.


N – Linfonodos Regionais (Node Status)

O componente N avalia o comprometimento metastático dos linfonodos regionais, sendo os principais axilares e inguinais superficiais. A palpação é o primeiro passo, mas o diagnóstico definitivo requer citologia aspirativa (CAAF) ou histopatologia.

O envolvimento linfonodal reflete a capacidade de disseminação linfática do tumor e é um dos fatores prognósticos mais relevantes em cadelas e gatas.

Classificação (N)DescriçãoImplicações Clínicas
N0Linfonodos regionais livres de metástase (CAAF ou histologia negativa)Prognóstico mais favorável; cirurgia curativa é possível.
N1Metástase confirmada em linfonodo regionalIndica doença regional avançada; piora o prognóstico e aumenta risco de recidiva.
NxLinfonodos não avaliadosAvaliação incompleta; reestadiamento recomendado.

O comprometimento linfonodal geralmente corresponde ao Estágio IV, sendo um marcador confiável de progressão tumoral.


M – Metástase à Distância

O componente M indica a presença ou ausência de metástases em órgãos distantes. A triagem inclui radiografia torácica em três projeções e ultrassonografia abdominal para avaliação de fígado, baço e linfonodos profundos. Quando disponível, a tomografia computadorizada (TC) oferece maior sensibilidade para detectar metástases pulmonares microscópicas, especialmente em tumores de alto grau.

Classificação (M)DescriçãoImplicações Clínicas
M0Ausência de metástase à distância detectávelPrognóstico melhor; tratamento curativo ainda possível.
M1Metástase à distância confirmada (pulmonar, hepática, óssea etc.)Define Estágio V; sobrevida curta, manejo paliativo indicado.
MxMetástase não avaliadaEstadiamento incompleto; exames complementares necessários.

Metástases pulmonares são as mais frequentes em cadelas, enquanto em gatas podem ocorrer também em pleura, fígado e linfonodos profundos.


Correlação entre Estágio TNM, Prognóstico e Estratégia Terapêutica

O agrupamento TNM em estágios clínicos permite padronizar condutas e estimar o tempo de sobrevida e a resposta terapêutica.

EstágioDefinição TNMPrognóstico (Cães)Conduta Terapêutica
IT1, N0, M0Excelente – sobrevida média > 24 mesesMastectomia regional é frequentemente curativa. Diagnóstico precoce essencial.
IIT2, N0, M0Bom a intermediárioMastectomia unilateral ou bilateral, com margem ampla. Avaliar grau histológico.
IIIT3, N0, M0Intermediário a reservadoCirurgia + possível quimioterapia adjuvante.
IVQualquer T, N1, M0DesfavorávelCirurgia + quimioterapia adjuvante. Avaliar drenagem linfática.
VQualquer T, qualquer N, M1Muito ruim – sobrevida média < 5 mesesTratamento paliativo (analgesia, quimioterapia paliativa). Cirurgia raramente indicada.

Em felinos, os tumores mamários são geralmente altamente malignos, e a correlação entre estágio e prognóstico é ainda mais pronunciada: a sobrevida média pode variar de 29 meses (estágio I) para 1 mês (estágio IV). Por isso, a mastectomia radical unilateral ou bilateral é frequentemente recomendada mesmo em casos iniciais, associada à quimioterapia adjuvante em tumores de alto grau ou estágios avançados.


6. Graduação histológica e sua relação com o prognóstico

A graduação histológica constitui um dos pilares da avaliação prognóstica dos tumores mamários em cadelas e gatas, permitindo estimar o comportamento biológico e orientar o planejamento terapêutico. Essa classificação descreve o grau de diferenciação tumoral com base em parâmetros morfológicos que refletem a proximidade (ou o afastamento) em relação ao tecido mamário normal. Em conjunto com o estadiamento clínico (TNM), o tipo histológico e marcadores moleculares como Ki-67, o grau histológico fornece uma visão mais precisa sobre a agressividade, a probabilidade de metástase e o tempo de sobrevida. O sistema mais amplamente utilizado na Medicina Veterinária é o método de Elston e Ellis, também conhecido como Sistema de Nottingham, originalmente desenvolvido para o câncer de mama humano e adaptado com sucesso para cães e gatos.

Esse método semiquantitativo se baseia na soma de três critérios histopatológicos fundamentais: formação de túbulos, pleomorfismo nuclear e índice mitótico, cada um pontuado de 1 a 3. O primeiro parâmetro, a formação de túbulos, avalia a manutenção da arquitetura glandular: tumores que preservam mais de 75% de estruturas tubulares recebem pontuação 1; entre 10% e 75%, pontuação 2; e menos de 10%, pontuação 3. Esse critério reflete diretamente o grau de diferenciação celular: quanto menor a formação tubular, maior a perda da morfologia funcional e mais indiferenciado o tumor.

O segundo critério é o pleomorfismo nuclear, que mensura a variação no tamanho e na forma dos núcleos, a presença de nucléolos evidentes e a textura da cromatina. Células com núcleos pequenos e regulares recebem escore 1; variações moderadas, escore 2; e anaplasia acentuada, escore 3. Por fim, o índice mitótico expressa a atividade proliferativa, sendo calculado pela contagem de figuras mitóticas em 10 campos de grande aumento (40x). Normalmente, atribui-se pontuação 1 para até 8 mitoses, 2 para 9 a 16 e 3 para mais de 17 mitoses. A contagem deve ser feita preferencialmente na periferia do tumor e restrita às células epiteliais invasivas, evitando áreas necróticas ou inflamatórias.

A soma desses escores resulta em uma pontuação total de 3 a 9, que define o grau histológico final: Grau I (3 a 5 pontos) – bem diferenciado; Grau II (6 a 7 pontos) moderadamente diferenciado; e Grau III (8 a 9 pontos) – pouco diferenciado. Em geral, tumores de Grau I apresentam comportamento indolente, crescimento mais lento e menor probabilidade de metástase, enquanto os de Grau III exibem invasão acentuada, alto índice proliferativo e prognóstico reservado. O Grau II representa um grupo intermediário, de comportamento mais variável, frequentemente influenciado por outros fatores clínicos e moleculares.

Estudos em cadelas demonstram uma forte correlação entre o aumento do grau histológico e a ocorrência de metástases. Em análises comparativas, tumores de Grau III foram responsáveis por até 87% dos casos metastáticos, evidenciando a relação direta entre diferenciação celular e agressividade biológica. Além disso, há associação entre o aumento do tamanho tumoral (de T1 para T2 no sistema TNM) e a elevação do grau histológico, bem como maior expressão de Ki-67, marcador de proliferação celular. Esses achados reforçam que o grau histológico deve ser considerado um parâmetro central na definição do prognóstico e na indicação de terapias adjuvantes.

É importante ressaltar que nem todos os tumores mamários podem ser avaliados por este sistema. Neoplasias com diferenciação mioepitelial marcante, como adenomioepiteliomas e mioepiteliomas malignos, não exibem arquitetura tubular típica, tornando inadequada a aplicação direta do método. Nesses casos, recomenda-se a descrição qualitativa dos achados histológicos, com ênfase no pleomorfismo e na atividade mitótica. Assim, a correta interpretação da graduação histológica, integrada a outros parâmetros clínico-patológicos, é essencial para a prática oncológica veterinária e para o aprimoramento da medicina comparada.


7. Marcadores imuno-histoquímicos e fisiopatologia

A imuno-histoquímica (IHC) é uma ferramenta essencial na caracterização biológica dos tumores mamários de cadelas e gatas, permitindo avaliar a proliferação celular, diferenciação, angiogênese, adesão e resposta inflamatória. Esses marcadores traduzem, em nível molecular, os mecanismos fisiopatológicos que determinam o comportamento do tumor, o prognóstico e, potencialmente, a resposta terapêutica. Assim como no câncer de mama humano, a expressão de determinados antígenos permite a subclassificação molecular das neoplasias, o que também reforça o estudo comparado entre espécies como um campo de grande valor translacional.


Receptores hormonais e fatores de crescimento (RE, RP, HER2)

Os receptores de estrógeno (RE) e de progesterona (RP) indicam diferenciação epitelial e dependência hormonal. Tumores positivos para esses receptores tendem a ser mais bem diferenciados, com menor potencial proliferativo e melhor prognóstico. Em contraste, a perda de expressão de RE e RP, observada com frequência em neoplasias malignas, reflete a autonomia proliferativa adquirida pelo tumor e associa-se a maior agressividade. Em humanos, a positividade para RE e RP define subtipos sensíveis à terapia hormonal; em cães e gatos, embora o paralelismo molecular exista, a eficácia clínica da terapia endócrina ainda não foi comprovada.

O HER2 (Receptor 2 do Fator de Crescimento Epidérmico Humano) é uma proteína de membrana envolvida na sinalização mitogênica e no crescimento celular. Sua superexpressão, típica de carcinomas agressivos no câncer de mama humano, é menos consistente em cadelas e gatas. Embora alguns estudos associem níveis elevados de HER2 à malignidade, outros não observam diferença entre tumores benignos e malignos, sugerindo que sua função fisiopatológica difere parcialmente entre espécies. Essa divergência ressalta a importância da oncologia comparada para compreender as nuances evolutivas da sinalização tumoral.


Proliferação e supressão tumoral (Ki-67, p53)

O Ki-67 é um marcador nuclear expresso em todas as fases ativas do ciclo celular, exceto na fase G₀. Assim, sua detecção reflete diretamente o índice proliferativo tumoral. Em cães, valores de Ki-67 ≥20% indicam tumores de alta atividade mitótica, frequentemente correlacionados a graus histológicos elevados e menor sobrevida. A interpretação desse marcador permite inferir a velocidade de crescimento e a necessidade de terapias adjuvantes.

A proteína p53 atua como supressor tumoral, regulando a integridade genômica por meio da indução de parada do ciclo celular ou apoptose em resposta a danos no DNA. O acúmulo de p53 detectado pela IHC geralmente indica mutações que estabilizam a proteína e impedem sua função protetora. Em tumores mamários de cadelas e gatas, a positividade para p53 correlaciona-se com alto Ki-67 e grau histológico III, refletindo perda de controle proliferativo e maior agressividade — um padrão também observado em tumores humanos.


Adesão celular e invasão (E-caderina)

A E-caderina é uma glicoproteína de membrana responsável pela adesão célula-célula e pela manutenção da polaridade epitelial. Sua expressão preservada está associada a tecidos diferenciados e não invasivos. Já a redução ou perda de E-caderina é um marcador clássico de transição epitélio-mesenquimal (EMT), processo no qual as células tumorais perdem coesão e adquirem capacidade migratória e invasiva. Em CMTs e em tumores humanos, a diminuição da E-caderina indica potencial metastático aumentado, embora seu uso como marcador prognóstico isolado ainda demande padronização.


Inflamação e angiogênese (COX-2, CD31, CD34)

A Ciclo-oxigenase 2 (COX-2) é uma enzima chave na resposta inflamatória e no microambiente tumoral. Quando superexpressa, estimula a angiogênese, a proliferação celular e a invasão tecidual, além de modular a imunidade local. A alta expressão de COX-2, observada em mais da metade dos CMTs malignos, associa-se a pior prognóstico e à redução da sobrevida, constituindo também um alvo terapêutico potencial: tumores COX-2 positivos podem responder a anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) inibidores seletivos dessa enzima.

Os marcadores CD31 e CD34, por sua vez, são utilizados para identificar células endoteliais e quantificar a densidade microvascular (MVD), um indicador da atividade angiogênica tumoral. O aumento da MVD reflete a capacidade do tumor de sustentar seu crescimento e facilitar a disseminação metastática. Embora não sejam marcadores prognósticos independentes, CD31 e CD34 são cruciais para compreender a fisiopatologia vascular do tumor e seu potencial de expansão.


8. Castração e tumores mamários em cães e gatos

A carcinogênese mamária em cães e gatos está intimamente relacionada à exposição hormonal endógena, especialmente aos esteroides ovarianos estrógeno (E2) e progesterona (P4). Por isso, a ovariohisterectomia (OSH) é considerada a medida profilática mais eficaz, particularmente em cadelas, cuja glândula mamária apresenta forte dependência hormonal. Evidências epidemiológicas demonstram que cadelas não castradas possuem até 9 vezes mais chance de desenvolver tumores mamários (TMs) do que as castradas, refletindo o papel central dos hormônios na iniciação e promoção tumoral.

A idade ou momento da castração exerce influência determinante no risco. Quando realizada antes do primeiro estro, a OSH confere uma redução de risco superior a 99%, com incidência de TMs em torno de 0,5%. Esse efeito protetor decresce progressivamente: a OSH após o primeiro estro eleva o risco para 8%, e após o segundo estro para cerca de 26%. Assim, quanto maior o tempo de exposição à ciclicidade ovariana, maior a chance de transformação neoplásica no epitélio mamário. Em contextos populacionais onde há baixa adesão à castração eletiva, como em alguns municípios brasileiros, essa medida assume relevância de saúde pública veterinária, reduzindo não apenas a incidência de tumores, mas também o número de cirurgias oncológicas e eutanásias associadas.

Apesar das vantagens, a OSH precoce não é isenta de controvérsias. Estudos recentes discutem possíveis efeitos adversos da esterilização em idade muito jovem, como incontinência urinária, problemas ortopédicos e possível aumento do risco para outros tipos de neoplasias, incluindo osteossarcoma, hemangiossarcoma e linfoma, em determinadas raças predispostas. Além disso, há debate sobre o benefício terapêutico da OSH em cadelas já portadoras de TMs malignos. Enquanto alguns trabalhos relatam aumento na sobrevida quando a OSH é realizada simultaneamente à mastectomia, ensaios clínicos controlados não confirmaram um ganho consistente em prognóstico, especialmente em carcinomas de alto grau.

Em gatas, a influência hormonal também é clara, mas o comportamento biológico da doença é mais agressivo. Fêmeas não castradas apresentam risco cerca de sete vezes maior de desenvolver TMs, que em mais de 85% a 90% dos casos são malignos. Embora o momento ideal da castração em relação ao ciclo estral não esteja tão bem definido quanto em cadelas, o efeito protetor da OSH é amplamente reconhecido. Assim, recomenda-se a castração eletiva antes da maturidade sexual como medida preventiva prioritária para ambas as espécies.

Outro aspecto crucial envolve o uso de progestágenos sintéticos, empregados como anticoncepcionais ou moduladores do ciclo estral. Essas substâncias estimulam a proliferação epitelial mamária e a produção local de hormônio do crescimento (GH), criando um ambiente propício à hiperplasia e neoplasia. A exposição repetida a progestágenos está associada à formação de nódulos benignos e malignos em cadelas e gatas. Já a hormonioterapia antiestrogênica, como o uso do Tamoxifeno, amplamente eficaz em tumores RE-positivos humanos, é contraindicada em cães, pois seus metabólitos possuem efeitos estrogênicos adversos, incluindo sinais de estro e piometra.

Em síntese, a ovariohisterectomia precoce representa a intervenção mais eficaz na prevenção dos tumores mamários em fêmeas caninas e felinas, reduzindo drasticamente o risco de desenvolvimento da doença. Apesar das discussões sobre possíveis efeitos colaterais e sobre sua utilidade terapêutica em tumores já estabelecidos, o consenso científico mantém a castração eletiva como estratégia central de prevenção oncológica em medicina veterinária. A compreensão dessa relação reforça o elo entre endocrinologia reprodutiva e oncogênese, permitindo que a decisão clínica seja pautada pelo equilíbrio entre benefício populacional e avaliação individualizada de risco.


9. Guia prático para escolha da abordagem terapêutica

O tratamento das neoplasias mamárias (TMs) em cães e gatos deve ser orientado por uma avaliação clínica e histopatológica integrada, considerando o estágio da doença, o tipo e grau histológico, as margens cirúrgicas, a presença de metástase e a condição geral do paciente. O objetivo principal é alcançar controle local da lesão, prevenir a disseminação metastática e preservar a qualidade de vida do animal.


Avaliação pré-terapêutica e fatores determinantes

Antes da definição da conduta, é essencial a realização do estadiamento clínico (sistema TNM), que classifica o tumor conforme:

  • T (Tumor primário): tamanho e extensão local;
  • N (Linfonodos regionais): presença de metástase regional;
  • M (Metástase): detecção de disseminação à distância.

A avaliação deve incluir radiografias torácicas em três projeções e ultrassonografia abdominal para exclusão de metástases pulmonares e viscerais. Tumores com diâmetro superior a 5 cm (T3), comprometimento linfonodal (N1) ou metástase à distância (M1) indicam prognóstico reservado.

Fatores complementares com valor prognóstico incluem o tipo histológico (p.ex., carcinoma micropapilar, sólido, carcinossarcoma), o grau histológico (I a III, conforme Elston e Ellis) e a integridade das margens cirúrgicas. Margens infiltradas (“sujas”) estão fortemente associadas à recidiva local precoce.


Modalidades cirúrgicas

A cirurgia é o tratamento de eleição para a maioria dos tumores mamários não metastáticos. A escolha da técnica depende da localização anatômica, tamanho do tumor e padrão de drenagem linfática.

a) Cadelas

  1. Nodulectomia ou Lumpectomia Remoção de uma massa pequena (<1 cm) sem comprometimento profundo. É raramente indicada para tumores malignos devido ao risco de recorrência. Preferir mastectomia simples.
  2. Mastectomia Regional (em bloco) Indica-se para tumores pequenos (<3 cm), em Estágio I (T1, N0, M0), envolvendo glândulas com drenagem comum (ex.: M4-M5 + linfonodo inguinal superficial). Oferece bom controle local e preserva tecido saudável.
  3. Mastectomia Unilateral Radical (cadeia completa) Consiste na remoção das glândulas M1 a M5 de um lado e dos linfonodos axilar e inguinal. É recomendada para tumores >3 cm (T2-T3), múltiplos ou localizados na M3, com intenção curativa. É a abordagem preferencial nos Estágios II a IV.
  4. Carcinoma Inflamatório Mamário (CIM) Cirurgia contraindicada. O tratamento é paliativo, baseado em quimioterapia associada a inibidores de COX-2 (como o piroxicam).

b) Gatas

A alta taxa de malignidade (85–90%) justifica uma conduta mais agressiva:

  • A técnica de eleição é a mastectomia radical unilateral ou bilateral (em duas etapas), independentemente do tamanho tumoral.
  • Deve-se incluir a remoção dos linfonodos axilar e inguinal regionais, mesmo quando não há aumento visível.

Quimioterapia adjuvante

A quimioterapia adjuvante (QTA) é indicada para pacientes com alto risco de metástase, determinado pelo tipo e grau histológico, estadiamento clínico e marcadores proliferativos (ex.: Ki-67).

  • Em cadelas: indicada para todos os carcinomas Grau III, tipos histológicos agressivos e estágios IV (N1, M0) e V (M1). Protocolos usuais: Carboplatina, Doxorrubicina, Ciclofosfamida, Vinblastina, associados ou não a inibidores de COX-2.
  • Em gatas: recomendada para a maioria dos tumores malignos, especialmente >3 cm ou de alto grau. Protocolos comuns: Doxorrubicina (isolada ou com Ciclofosfamida), Carboplatina e Mitoxantrona.

Nos casos de CIM ou metástase à distância (Estágio V), a quimioterapia tem caráter paliativo, buscando prolongar a sobrevida e aliviar sinais clínicos.


Condição geral e cuidados paliativos

A avaliação sistêmica do paciente é indispensável. Em casos com metástase disseminada ou estado clínico debilitado, prioriza-se o bem-estar. Cirurgias podem ser realizadas com objetivo paliativo (p.ex., em tumores ulcerados ou dolorosos), mas não prolongam significativamente a sobrevida.


Quadro-síntese de condutas recomendadas

Estágio TNM (OMS)Cães – CirurgiaCães – Quimioterapia Adjuvante (QTA)Gatos – CirurgiaGatos – Quimioterapia Adjuvante (QTA)
I (T1, N0, M0)Mastectomia Regional (preferencial para tumores <3 cm).Não recomendada, exceto se Grau III ou tipo agressivo.Mastectomia Radical Unilateral/Bilateral (2 etapas); remoção de linfonodos regionais.Recomendável (alta malignidade da espécie).
II (T2, N0, M0)Mastectomia Unilateral Radical.Indicada se Grau I ou III.Mastectomia Radical Unilateral/Bilateral.Fortemente recomendada.
III (T3, N0/N1, M0)Mastectomia Unilateral Radical com remoção de linfonodo envolvido.Sempre recomendada.Mastectomia Radical Unilateral/Bilateral.Recomendável (estágio avançado).
IV (Qualquer T, N1, M0)Mastectomia Radical + linfonodos regionais.Sempre recomendada.Mastectomia Radical Unilateral/Bilateral.Recomendável.
V (Qualquer T, Qualquer N, M1)Cirurgia paliativa opcional (ulceração/dor).Sempre recomendada (paliativa).Cirurgia paliativa.Recomendável (paliativa).
CIMCirurgia contraindicada.Piroxicam + quimioterapia paliativa.Cirurgia contraindicada.Doxorrubicina + COX-2 inibidores.

A escolha terapêutica deve integrar diagnóstico preciso, estadiamento completo e avaliação prognóstica individualizada. A cirurgia é o pilar do tratamento curativo, enquanto a quimioterapia adjuvante é essencial nos casos de alto risco biológico. Em felinos, a conduta é invariavelmente mais agressiva devido à alta malignidade intrínseca. O planejamento racional e precoce da abordagem terapêutica é determinante para prolongar a sobrevida e preservar a qualidade de vida do paciente oncológico.

É imprescindível que o profissional se atualize constantemente, pois o acúmulo de evidências provenientes das rotinas de atendimento, além das pesquisas científicas, podem determinar alterações recorrentes nos protocolos e nas recomendações sobre o tratamento dos tumores mamários.


10. Tumores mamários e medicina translacional

A Medicina Translacional (MT) é um campo integrador que transforma descobertas básicas da pesquisa biomédica em aplicações clínicas concretas, beneficiando simultaneamente a saúde humana e animal. Esse conceito se apoia no princípio de “One Health/One Medicine”, que reconhece a interconexão entre todas as formas de vida e seus ambientes.

Nesse contexto, os Tumores Mamários Caninos (TMCs) constituem um modelo espontâneo e de alto valor translacional para o estudo do Câncer de Mama Humano (CMH). Diferentemente dos modelos experimentais induzidos, os TMCs surgem naturalmente em cadelas que compartilham o mesmo ambiente dos humanos, refletindo fielmente a influência de fatores hormonais, etários e ambientais. Além disso, a progressão mais rápida da doença em cães (devido à menor longevidade da espécie) possibilita a condução de ensaios clínicos translacionais e a avaliação precoce de novos fármacos e terapias direcionadas, encurtando o tempo entre a descoberta e sua aplicação clínica.


Homologia Biológica e Molecular

As semelhanças entre os TMCs e o CMH são amplas e envolvem aspectos epidemiológicos, histopatológicos e moleculares.

Ambos os tumores:

  • Expressam Receptores de Estrógeno (RE) e Progesterona (RP), além de apresentarem casos de superexpressão de HER2;
  • Permitem a subtipagem molecular semelhante à humana (Luminal A, Luminal B, HER2-positivo e Triplo-Negativo), com padrões prognósticos comparáveis;
  • Compartilham vias de sinalização oncogênicas, como Wnt, PI3K/Akt e MAPK;
  • Exibem mutações homólogas em BRCA1/BRCA2, TP53 e PTEN, que contribuem para instabilidade genômica e resistência terapêutica.

Essas correspondências fazem dos TMCs um modelo biológico valioso para validação de biomarcadores, testes de drogas antineoplásicas e desenvolvimento de terapias-alvo.


Comportamento Metastático e Resposta Terapêutica

Estudos de transcriptômica e proteômica comparada mostram que TMCs metastáticos compartilham assinaturas moleculares semelhantes às observadas em CMH agressivos, especialmente nos subtipos Triplo-Negativos. Essa sobreposição sugere mecanismos conservados de invasão, angiogênese e evasão imune.

Um exemplo emblemático é a superexpressão de COX-2, associada ao pior prognóstico tanto em cães quanto em mulheres, e que fundamenta o uso de inibidores de COX-2 como agentes adjuvantes em protocolos terapêuticos. Assim, o estudo dos TMCs contribui não apenas para o refinamento da oncologia veterinária, mas também para o avanço de terapias inovadoras na oncologia humana.


Integração e Perspectivas Futuras

A consolidação da oncologia comparada impulsiona a criação de centros colaborativos e redes de pesquisa integradas. Essas iniciativas fortalecem a padronização diagnóstica, o intercâmbio de dados e o desenvolvimento de modelos pré-clínicos avançados, como organoides e tumoroides derivados de TMCs, capazes de simular com alta fidelidade o microambiente tumoral.

Ao unir os esforços da medicina veterinária e humana sob a ótica One Health, a pesquisa em tumores mamários de cães e gatos deixa de ser apenas uma vertente aplicada e passa a representar um eixo estratégico de inovação biomédica.

Esse diálogo contínuo entre espécies reforça o papel do médico-veterinário como agente central no avanço da saúde global e na busca compartilhada por melhores estratégias diagnósticas, terapêuticas e preventivas contra o câncer de mama.


11. Considerações finais

O estudo das neoplasias mamárias em cães e gatos transcende o diagnóstico e o tratamento: ele representa um campo de interseção entre a ciência básica, a clínica e a saúde pública. A análise integrada dos aspectos histopatológicos, moleculares e clínicos permite não apenas aprimorar o manejo dos pacientes veterinários, mas também contribuir para o entendimento do câncer de mama em mulheres.

A abordagem terapêutica individualizada, baseada em estadiamento, tipo histológico, margens cirúrgicas e condição sistêmica do paciente, é a chave para a boa prática clínica. O médico-veterinário deve estar apto a avaliar criticamente os fatores prognósticos e a selecionar a modalidade terapêutica mais apropriada, equilibrando eficácia, segurança e bem-estar.

No plano científico, os tumores mamários caninos consolidam-se como um modelo translacional de alto valor, fortalecendo o vínculo entre a medicina veterinária e a humana sob o paradigma One Health/One Medicine. A pesquisa comparada em oncologia amplia o potencial de descobertas sobre biomarcadores, terapias-alvo e resistência tumoral, contribuindo para o desenvolvimento conjunto de estratégias inovadoras em saúde.

Por fim, compreender o câncer mamário sob uma perspectiva integrada, que combina morfologia, fisiologia, biologia molecular e clínica, é um passo essencial para formar profissionais capazes de atuar de forma ética, crítica e colaborativa. A oncologia veterinária não apenas salva vidas animais, mas também ilumina caminhos para a medicina humana, reafirmando o papel da Medicina Veterinária como ciência de fronteira, conhecimento e compaixão.


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